Nos “Contos da era do Jazz”, Scott Fitzgerald, retrata a intensidade do entre guerras no mundo ocidental a partir de um tom Maximalista. Tudo nos seis contos da era do Jazz, talvez exceto a História de Benjamin Burton, é grande de mais e intenso de mais como, por exemplo, a descrição das festas pós-vitorianas que Fitzgerald faz em “As costas do camelo”. Em “Meia Noite em Paris” também é possível ver um retrato dessa “paz quente” que paira sobre o ocidente entre os anos de 1920 e os anos de 1940.

Essa sensação de que tudo é intenso de mais, sob o olhar de Fitzgerald, talvez seja a melhor exposta no romance “O grande Getsby” e aqui é onde entra o diretor australiano Baz Luhrmann mostra seu maximalismo cinematográfico que será aplicado em Elvis.  Antes da adaptação de Elvis, o último filme de Luhrmann fora a adaptação do romance de Fitzgerald com Leonardo DiCaprio no papel do excêntrico e festeiro milionário Jay Getsby.

Woody Allen, com todas as ressalvas necessárias ao seu nome, e Baz Luhrmann não adaptam com certa maestria essa época de ouro da era do jazz por mero acaso. A era do Jazz retratada nos contos e romances de Fitzgerald são um dos grandes exemplos da estética maximalista traduzida para o cinema. Aqueles diálogos rápidos, intensos, por vezes forçosamente perspicazes, são uma certa marca do maximalismo cinematográfico de diretores como Allen, Jodorowsky, Aaron Sorkin, Fellini e outros diretores e roteiristas que imprimem, em suas obras, uma certa intensidade de montagem que causa o efeito de uma cena de ação quando o que estamos presenciando na tela é um simples diálogo.

Se lembrarmos dos diálogos de “Romeu+Julieta” de Baz Luhrmann vamos ter o preciso exemplo de um diálogo maximalista. Na adaptação a peça de Shakespeare se passa no mundo contemporâneo, entretanto os diálogos e maneirismos das personagens estão próximos dos diálogos originais da peça, porém com uma montagem frenética de cenas de ação análogos aos famosos filmes de máfia, afinal “Romeu+Julieta” é um filme de máfia.

Esse mesmo efeito pode ser encontrado em Moulain Rouge onde as cenas musicais causam efeito semelhante a um filme de ação. Tudo é excessivamente intenso de maneira proposital. Baz Luhrmann é um mestre em maximizar as emoções seja com cenas muito abertas e cenários suntuosos, como é o caso de Moulain Rouge ou O Grande Getsby, seja nos diálogos tresloucados de Romeu+Julieta.  

Talvez seja por isso que a relação do diretor com a cinebiografia de Elvis Presley seja tão bem encaixada. Ao julgar pelo que sabe sobre Elvis, através da cultura pop, mesmo um expectador menos conhecedor de sua biografia, como eu, já vai até o filme com a sensação de que a vida de Elvis era marcadamente maximalista. Da voz intensa, passando pela dança, até o figurino, Elvis pode ser visto como uma figura maximalista hoje, em 2022, o que dirá aos olhos do público dos anos de 1950.

Elvis, nesse sentido, é um filme cuja opção pela estética maximalista não é necessariamente uma opção. Grande parte da memória cultural que o público geral tem de Elvis é de suas apresentações em Las Vegas no “International Hotel” que eram marcadamente extravagantes e acabaram por ditar a tônica cultural do capitalismo de Las Vegas, afinal vai-se a Vegas ser casado por um sósia de Elvis em um Cassino. É lá que a imagem de Elvis e seu figurino ficaram encravados na cultura pop.

Voltemos à estética maximalista do corte. O filme se inicia com uma espécie de narrativa de Tom Parker (Tom Hanks) sobre como Elvis teria sido descoberto. Já nos primeiros segundos de filme, a estética do exagero fica marcada uma vez que o diretor opta por uma cena onírica com frases rápidas e de efeito.

A velocidade dos diálogos, a rápida sobreposição de eventos que marcam as apresentações musicais do cantor, os closes ups e as caras e bocas de Austin Butler interpretando Elvis nos fazem mesmo questionar se alguém poderia humanamente viver naquele nível de intensidade.
Porém, sabemos que as estrelas da cultura pop, em especial da música, em especial do rock, são marcadamente intensas e sim, existe qualquer coisa de biográfico nesta escolha pela intensidade maximalista na composição do personagem feita por Austin Butler. O filme é acertadíssimo ao optar por essa apresentação e por essa intensidade.

Por outro lado, algumas escolhas causaram um certo incômodo ao logo do filme como a duração. A intensidade do filme é, na minha leitura, um tanto descompassada. O maximalismo dos diálogos, em certa altura do filme, dá lugar à extravagância de Las Vegas e o filme muda de ritmo ainda que continue intenso. Mudança essa que se justifica pela própria carreira de Elvis que vai modulando sua intensidade musical de um tipo de rock dançante como em “Blue Suede Shoes” para um rock mais espiritual como em “Unchained Melody” ( essa talvez a música mais importante da história da Sessão da Tarde por ser a trilha sonora de Ghost: do outro lado da vida). Mesmo compreendendo que essa mudança de ritmo e tom acompanha a biografia do cantor, não deixa de ser cansativo presenciar isso ao longo de 2h39min de filme.

O outro incomodo teve um forte lado construtivo. Quase que imediatamente após o filme fui pesquisar a relação de Elvis com B.B King. Que Elvis toma de empréstimo, ou assalto, seu ritmo da música negra como o Rhythm and Blues é de senso geral na cultura pop, porém sua relação intima de amizade com o rei do Blues, que é mostrada no filme, eu particularmente desconhecia. De todo modo à relação não existiu de fato, ou pelo menos não está biografada, todavia gerou um dos melhores diálogos do filme sobre as diferenças de tratamento entre artistas brancos e negros e sobre o racismo musical nos Estados Unidos.

O grande efeito do filme, para mim, está nas relações de Elvis com medicamentos prescritos. Lembremos que o primeiro anti-depressivo comercial passou a ser comercializado em 1957. A Iproniazida cujo efeito originalmente tratava tuberculose se tornou uma febre contra o rebaixamento de Humor nos Estados Unidos onde a intensidade da Era do Jazz fora multiplicada a enésima potencial pelo American Way of Life. Existe no estilo de vida estadunidense quase que uma necessidade inerente de uso de medicamentos para ser manter o próprio estilo vide a relação da população dos EUA com o Prozac e os derivados de fluoxetina.

A historiografia regular aponta que Elvis teria morrido devido a uma forte arritimia cardíaca, porém possivelmente causada pelo uso abusivo de medicações como codeína que é um tipo de analgésico opiáceo. É possível que o Elvis tenha tido prescrição de um número gigantesco de remédios que estariam na casa dos milhares como informa Linda Thompson, sua ex-companheira.

Essa talvez seja a parte central do filme de Baz Luhrmann: a relação abusiva de trabalho mantida entre Elvis e Tom Parker. O filme e certos indicativos biográficos apontam para o uso abusivo de medicamentos ligados a uma necessidade de produtividade por parte do cantor.

Em outra emblemática cena, diante de um mal súbito, o médico de Elvis é chamado para administrar alguma substância que faça com que o cantor conclua o show.  Apesar de não explicitado, o filme toca no que é conhecido nos EUA como “Epidemia de Opiaceos”. O FDA aponta que sé em 2016 houveram mais de 52 mil mortes relacionadas diretas com o uso de analgésicos nos EUA.Essa realidade também é uma realidade marcadamente brasileira onde o consumo de analgésico e opiáceos aumentou 33% entre 2021 e 2022 segundo a ANVISA.

A epidemia de opioides já é um tema relevante na cultura pop series como Dopesick e o documentário The Pharmacist são exemplos do atravessamento do uso de analgésicos faz na no mundo de hoje. Ainda que não seja um tema principal no filme o uso abusivo de medicação decorrente a necessidade de produtividade aparece como uma marca do mundo contemporâneo e de certa forma atrelado ao maximalismo existencial de Elvis. Que fique claro que não se trato de uma relação causalista ou mesmo de uma análise moral uma vez que, ainda que uma cinebiografia ficcional o filme tenha algum compromisso com dados biográficos de Elvis.

A cinebiografia ficcional de Elvis, por Baz Luhrmann, é um exemplo extraordinário, ainda que levemente cansativo dado o tamanho, do efeito da vida maximalista necessária para se existir em alguns braços do capitalismo na cultura pop. Em certo sentido, pelo menos no filme, figuras como Elvis e Tom Parker representam relações cotidianas muito mais corriqueiras do que gostaríamos de acreditar que fossem.

Elvis é um filme suntuoso, divertido, excessivamente longo e evita a qualquer custo entrar em polêmicas mais serias da vida do cantor o que pode gerar alguns atravessamentos como a invenção da relação de uma amizade intima entre Elvis e B.B King.

Maneu Messias

Maneu Messias. Psicólogo, psicanalista, músico, apaixonado por neurociências e ciências em geral. Doutor em Psicologia. Professor universitário desde 2016. Amante de cinema, games, séries e culturapop. Ainda desejando fazer faculdade de artes visuais e economia. Fortemente chegado em esportes radicais como escalada e paraquedismo e qualquer outra coisa que a minha ansiedade diga pra fazer. Co-Host do podcast Perdidos na paralaxe.