O contexto do debate entre psicanálise e ciência é mais ou menos esse: de um lado, as Ciências da Natureza, preocupada com o funcionamento mecânico dos fenômenos naturais e cujo rigor metodológico se baseia numa correlação estrita entre construções de hipóteses e comprovação por meio de dados empíricos. De outro, as Ciências do Espírito, cuja preocupação principal não é tanto com o rigor do método ou com a comprovação empírica, mas, sim, com a produção de significado, isto é, com a interpretação dos fenômenos dentro de um horizonte de sentido.

Foi mais ou menos nesses termos que Wilhelm Dilthey soube diferenciar os tipos de ciências e dar lugar para as ciências humanas sem subordiná-las ao modelo das ciências rígidas, que tratam de fenômenos objetivos. No entanto, a meu ver, quando se trata de psicanálise, esse esquema implode de maneira inequívoca. Tão logo se fale em psicanálise, subentende-se uma ciência que parte da diferença entre as esferas subjetiva e objetiva, desembocando na diferença entre mente e corpo. Ora, sendo a psicanálise uma ciência da mente, sua metodologia é hermenêutica e seu estatuto como ciência não se dá com base em dados empíricos. Isso é um prato cheio para os defensores da ideia de ciência como ciência da natureza, e que atacam a psicanálise como pseudociência. Mas a questão para a psicanálise não é uma ruptura entre psiquismo e corpo. O corte é muito mais radical.

Como diz Lacan, o corte se dá não entre o físico e o psíquico, mas entre o psiquismo e a lógica, ou como escreve Bion, psico-lógico. Por isso a chantagem metodológica que a ciência impõe à psicanálise é mero detalhe perto da verdadeira transgressão psicanalítica. O trunfo freudiano com o advento do inconsciente foi demonstrar que toda articulação subjetiva se dá com base na realidade psíquica. Ou seja, a causalidade psíquica funciona sob uma lógica completamente diferente da lógica que comanda a realidade objetiva, pautada na relação de causa e efeito. Logo, antes de perguntar se a psicanálise é uma ciência, é preciso perguntar se a lógica que comanda a ciência é a mesma que comanda o psiquismo. Quem lida com a clínica, sabe bem do que se trata.

Fernando Facó